Falta de engenheiros no setor de óleo e gás também representa gargalo para a transição energética.
Além de ser vital para a segurança energética nas próximas décadas, as competências de conhecimento na área são aplicáveis e necessárias para a transição energética.
Diante da urgência da transição energética, as energias renováveis tendem a ser divulgadas como a única saída para conter os impactos do aumento da temperatura global e das mudanças climáticas. E isso, além de não refletir integralmente a realidade, está fazendo com que os estudantes se desinteressem por carreiras relacionadas à área de óleo e gás – um setor que permanecerá ativo por décadas (dada sua importância para a segurança energética) e cujas competências de conhecimento são aplicáveis e necessárias para a transição energética.
Essas foram algumas das principais conclusões da mesa-redonda The future of the oil and gas industry in Brazil in times of energy transition, realizada durante a 5ª conferência EPIC que ocorreu nos dias 13 e 14 de novembro, em Campinas (SP). O evento foi promovido pelo Centro de Inovação em Produção de Energia (EPIC), sediado no Centro de Estudos de Energia e Petróleo (CEPETRO) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). As discussões envolveram especialistas da Equinor Brasil, da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do CEPETRO, com mediação do diretor científico do EPIC, prof. Denis Schiozer.
De uma forma geral, os estudantes veem o setor de óleo e gás como se fosse uma área a caminho da extinção, sem possibilidade de gerar empregos no futuro. O diretor do CEPETRO, prof. Marcelo Souza de Castro, afirmou que no centro de pesquisa e em outros associados a ele, vem crescendo o número de projetos em energias renováveis. No entanto, a pesquisa sobre óleo e gás ainda predomina, dada a continuidade das atividades dessa indústria para atender a necessidade global de energia. Assim, otimizar a produção do setor, visando sua descarbonização, é vital.
Por outro lado, a indústria não está mais restrita às atividades relacionadas a óleo e gás. Os investimentos de longo prazo da Equinor Brasil, por exemplo, estão focados tanto no óleo e gás como nas renováveis, segundo informou Andrea Achôa, gerente de P,D&I da empresa.
“Estamos enfrentando uma lacuna de estudantes em engenharia de forma geral e em outras disciplinas importantes para o setor de óleo de gás e a transição energética. Precisamos pensar em como podemos trazer os estudantes de volta à universidade”, alertou o diretor do CEPETRO. Rodolfo Jardim de Azevedo, presidente do Conselho Curador da Fapesp, lembrou que, além do desinteresse pelas engenharias, há a competição de outros setores da economia, como bancos, por exemplo, no recrutamento de engenheiros. E isso só agrava o problema.
A saída, na avaliação da gerente de P,D&I da Equinor Brasil, é melhorar a comunicação com a geração mais jovem mostrando que as carreiras do setor de energia, incluído óleo e gás, tem um papel importante para a sociedade.
Competências similares – Raphael Moura, superintendente de Tecnologia e Meio Ambiente da ANP, citou um estudo internacional de uma empresa de inteligência de mercado que comparou aspectos de engenharia entre as indústrias. “Eles descobriram que a indústria eólica offshore, a de hidrogênio e a de biocombustíveis têm processos de engenharia bastante semelhantes aos da indústria de óleo e gás. As mesmas tecnologias, os mesmos profissionais, os mesmos softwares de simulação, e assim por diante”, disse.
De todo o modo, o futuro depende da formação de mais profissionais em STEAM (Science, Technology, Engineering, and Mathematics), como apontou o prof. Alejandro Escalona Varela, da Universidade de Stavanger, da Noruega – o primeiro keynote speaker do evento. Em seu país, devido à escassez de profissionais, a indústria vem recrutando candidatos sem a devida qualificação; as universidades e os institutos de pesquisa estão começando a perder suas competências, novas pesquisas param ou nunca são implementadas; e as competências sobre reservatórios estão desaparecendo. Um país como a Noruega, disse, pode rapidamente perder sua liderança na área de petróleo por causa disso.
Para o superintendente de Tecnologia e Meio Ambiente da ANP, no que tange à transição energética, o desafio, segundo ele, é ter também um ecossistema colaborativo, com inovação aberta, e startups para fornecer soluções rápidas. E, claro, a questão regulatória necessária para viabilizar as novas tecnologias.
Relação academia-indústria – A colaboração entre a academia e a indústria foi assunto de outra mesa-redonda (Closing the gap between industry and academia), que reuniu especialistas da Shell; do instituto NORCE (Noruega); da Texas A&M (EUA); e da Equinor, sob mediação do diretor do CEPETRO.
Alexandre Breda, gerente de Tecnologia de Baixo Carbono da Shell, apontou quatro aspectos que considera fundamentais nessa relação: abordagem interdisciplinar, capaz de integrar pesquisadores de diferentes áreas; ecossistema de inovação, para fomentar a criação de spin-offs; comunicação transparente e clara, visando objetivos comuns; e a escolha das tecnologias (entre as diversas sendo pesquisadas) com maiores chances de êxito, aquelas que realmente se diferenciarão.
Michael King, da Texas A&M, destacou a importância dos encontros entre acadêmicos e profissionais da indústria. É por meio deles que se obtém um entendimento comum (ideias, desafios e necessidades), facilitando o desenvolvimento conjunto dos projetos e construindo uma relação de confiança. Entre os desafios, ele citou a importância de definir as metas e os passos em sua direção; ter certeza de que o conhecimento fundamental está bem estabelecido, e avançar de forma realista cada vez mais, discutindo os resultados do projeto, revisando os planos e os próximos passos. Para Ingebret Fjeld, do NORCE, quando o projeto é de longo prazo é possível construir o conhecimento fundamental. Caso contrário, é melhor buscar um parceiro que já o tenha.